JUDICIÁRIO X ÓRGÃO REGULADOR

Quem pode mais?

    Quando falamos sobre qual é a função do Poder Judiciário, temos que é seu dever garantir os direitos individuais, coletivos e sociais, bem como resolver conflitos entre cidadãos, entidades e Estado.

    Os Órgãos Reguladores por sua vez, tem como função principal regular e/ou fiscalizar a atividade de um determinado setor da economia. A ANVISA, por exemplo, tem o dever de regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública.

    Considerando esses pontos, quando, em algum momento, qualquer cidadão entende que uma ação da ANVISA está indo contra seu dever de zelar pela saúde pública, o Judiciário pode intervir com o objetivo de preservar o direito coletivo.

    Nos últimos 6 meses as empresas fabricantes de produtos alimentícios, estão vivenciando essa dúvida sobre “quem pode mais: o Judiciário ou o Órgão Regulador?”

    Em 2020 a ANVISA aprovou e publicou a RDC nº 429 que dispõe sobre a rotulagem nutricional de alimentos embalados e conjuntamente aprovou e publicou a IN nº 75/2020 que estabelece os requisitos técnicos para declaração da rotulagem nutricional desses alimentos.

    A RDC nº 429 entraria em vigor após decorridos 24 (vinte e quatro) meses de sua publicação, que se deu em 09 de outubro de 2020. Nela ficou estabelecido, em seu Artigo 50, que as empresas tinham o prazo de 12 (doze) meses para adequação dos produtos que já se encontravam no mercado, contados da data de entrada em vigor da Resolução.

    Ocorre que em 09 de outubro de 2023, que seria o último dia do vencimento do prazo de adequação, a ANVISA publicou a RDC nº 819, na qual foi alterado o artigo 50 da RDC nº 429/2020, autorizando o esgotamento, até 09/10/2024, do estoque de embalagens e rótulos adquiridos até 08/10/2023.

    Não concordando com essa mudança, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC, sob a alegação de que os interesses privados estavam sendo atendidos em detrimento dos interesses dos consumidores, ajuizou Ação Civil Pública contra a ANVISA perante a Justiça Federal de São Paulo, na qual pleiteou em pedido liminar a suspenção dos efeitos da RDC nº 819/2023.

    Temos, então, que o IDEC entendeu que a nova RDC estava prejudicando os consumidores, tirando deles o direito de ter uma informação necessária nos rótulos e embalagens e, assim, buscou auxílio do Judiciário para garantir o direito dos consumidores de produtos alimentícios.

    A liminar foi deferida pela Justiça Federal de São Paulo, determinando a suspenção dos efeitos da RDC nº 819/2023 da ANVISA, complementando que as empresas fabricantes de alimentos, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, adotassem (i) nova tabela de informação nutricional e (ii) a lupa frontal “ALTO EM” em todos os rótulos e embalagens desconformes com a RDC nº 429/2020 e com a IN nº 75/2020.

    A ANVISA, por sua vez, não concordando com a decisão liminar, apresentou recurso (Agravo de Instrumento) junto ao Tribunal Regional Federal da 3ª. Região em 18/03/2024, com pedido liminar recursal, com o objetivo de reformar a decisão da Justiça Federal de São Paulo, pleiteando, assim, a manutenção da RDC nº 819/2023. E, no dia 15/04/2024, a Desembargadora responsável pelo Recurso apresentado pela ANVISA decidiu em não conceder o pedido liminar recursal, mantendo, assim, a liminar concedida pela Justiça Federal de São Paulo.

    No aguardo da decisão final, no dia 28/03/2024 o Diretor Presidente da ANVISA publicou o Despacho nº 49, no qual esclarece os trâmites processuais citados e a suspensão dos efeitos da RDC 819/2023, bem como, orienta as empresas a adotarem etiquetas adesivas complementares com a nova tabela de informação nutricional e a lupa frontal.

    Agora o impasse ganhou um novo reforço, já que no dia 17/04/2024 a ABRAS (Associação Brasileira de Supermercados) ingressou no processo na qualidade de entidade com interesse na controvérsia (Amicus Curiae) e, embora não possa praticar atos processuais reservados às partes (IDEC e ANVISA), pode opinar sobre a matéria objeto da ação, com o objetivo de esclarecer e/ou trazer novos pontos a serem observados pelo julgador. E, assim, a ABRAS, apresentou ao Tribunal suas considerações para reforçar os motivos que levaram a Anvisa a editar a RDC nº 819/2023.

    Desta maneira, em que pese o Recurso e a Ação Civil Pública ainda terem que seguir seus trâmites processuais naturais até a decisão final (respectivamente, Acórdão e Sentença), é certo afirmar que, nesse momento, as empresas de alimentos devem estar a com as suas embalagens e rótulos adequados, pois desde o dia 22/04/2024, foi finalizado  o prazo imposto na liminar concedida ao IDEC. Porém, como ainda não há uma decisão final para o Recurso e, considerando os últimos acontecimentos com o ingresso da ABRAS e suas considerações sobre o caso, o Recurso que está concluso ao Relator para nova decisão desde o dia 18/04/2024 poderá ter novos desdobramentos nos próximos dias.

    Independente de toda essa questão judicial, é importantíssimo destacar que em geral a prática de acrescentar etiquetas para corrigir informações de rotulagem não está prevista na legislação vigente, porém, diante do impasse trazido pela situação judicial, considerando que até hoje (19/04/2024) o que está valendo é a liminar concedida ao IDEC, as empresas do ramo alimentício devem seguir as orientações do Despacho nº 49 do Diretor Presidente da ANVISA e aplicar etiquetas corretivas em seus produtos.

    Vale destacar que ainda teremos por um tempo nas prateleiras produtos que não estarão de acordo com a legislação, já que o §4º do artigo 50 da RDC 429/2020, prevê a possibilidade que os produtos fabricados até o final do prazo de adequação (08/10/2023) poderão ser comercializados até o fim do seu prazo de validade.

    Em resumo, no impasse de “quem pode mais”, temos um cenário incerto e indefinido, especialmente considerando que ainda não existe uma orientação clara na decisão final do Poder Judiciário sobre os prazos e condições para que a rotulagem dos alimentos seja adequada à nova RDC da ANVISA, gerando não só uma disputa entre o Poder Judiciário e o Órgão Regulador, mas possíveis prejuízos e insegurança para indústria e o consumidor.